Elaine Palmer, advogada, mediadora e coaching de conflitos

“O sucesso de uma intervenção depende da condição interior do interventor”.

A citação acima, de autoria do falecido CEO da Hanover Insurance, Bill O’Brien, foi apresentada por Otto Scharmer em seu livro “O essencial da Teoria U”[1]. Tal condição interior é a fonte (ou o ponto cego) a partir da qual operamos. Scharmer afirma que essa fonte afeta fundamentalmente a qualidade do liderar, do aprender e do ouvir.

Associo esta ideia ao que propõe Daniel Bowling a respeito das qualidades humanas fundamentais ao ofício de mediador:

“Quem somos (…) é mais importante do que o que sabemos ou do que as nossas habilidades (…) [2]”.

A essência do artigo de Bowling é articular a ideia de que, além das habilidades técnicas e conhecimento teórico, mediadores e mediadoras trazem suas qualidades humanas para a mediação e, (também) por isso, desenvolver tais qualidades pessoais deve fazer parte da sua jornada de aprendizagem:

“expertise que vem da cabeça e não do coração não funciona nem nos esportes ou na música, mas nós seguimos acreditando que funcionará numa profissão que se baseia em comunicação. Nós não fazemos o autodesenvolvimento ou trabalho interior necessário”[3]”

Neste sentido, Bowling questiona o excesso de racionalização e método aportado pelo modelo educacional ocidental (prevalente também no terreno da mediação). Ao privilegiar o ensino de técnicas e habilidades, relega a segundo plano o investimento pessoal em autoconhecimento e autoconsciência do mediador.

Esta mesma opinião também aparece em Otto Scharmer[4]:

“Ferramentas são importantes. Mas também são superestimadas porque são muito visíveis. O que geralmente é subestimado são todas as coisas invisíveis aos olhos — por exemplo, os elementos menos visíveis de um bom espaço de acolhimento: intenção, atenção e as qualidades sutis da escuta profunda”.

A meu ver, entender a mediação meramente como uma técnica ou um conjunto de ferramentas a serviço de um possível acordo é reduzir a sua dimensão espiritual, cuja essência é aproximar os envolvidos no conflito de sua humanidade compartilhada. Sem isso, a “mágica” da mediação raramente se realiza.

Claro que o conhecimento é e deve ser valorizado em qualquer profissão e não é diferente na área de resolução de conflitos. Porém, nem toda técnica do mundo nos faz entrar em conexão verdadeira com o outro. É no espaço de conexão e de presença que o diálogo regenerativo pode ocorrer.

David Hoffman e Richard Wolman, em artigo denominado “Mediation as a Spiritual Practice”[1] (tradução livre: Mediação como uma prática espiritual), chamam atenção para o espaço interior do mediador (talvez a “fonte”, na perspectiva da Teoria U):

“O que foi satisfatório sobre o caso, no entanto, foi mais do que simplesmente ajudar uma família irritada a resolver seus complexos problemas financeiros e psicológicos. Para nós – e, suspeitamos, para muitos mediadores – a satisfação da mediação não dependia inteiramente, ou mesmo principalmente, do resultado. O que importava era acessar um lugar centrado, pacífico, compassivo e sem julgamentos dentro de nós mesmos, onde pudéssemos resistir ao fogo do conflito e iniciar o processo de cura sem ser consumido”.

Inúmeros mediadores comungam do mesmo ponto de vista. São profissionais que não se percebem como meros facilitadores de diálogo e de acordo, mas encontram um significado ainda mais profundo no seu ofício:  o significado de auxiliar as pessoas na sua transformação pessoal, a partir da criação de um espaço de empatia, de reflexão, de tolerância e de respeito. Ao proporcionar este espaço em conjunto com os mediandos, mediadores encontram também a sua fonte, seu lugar interno de espiritualidade, tal como descrito acima por Hoffman.

Porém, alcançar este estágio demanda disciplina e contato consigo mesmo. Cada vez mais mediadores se tornam praticantes de mindfulness, meditação, práticas marciais ou outras variedades de práticas orientadas para o desenvolvimento de presença e de espiritualidade. E não se trata de uma relação instrumental com tais disciplinas, para, por exemplo, reduzir o stress ou melhorar a foram física. O que estes profissionais buscam é desenvolvimento de conexão profunda e humana com as pessoas que se apresentam vulneráveis em seus conflitos. A partir deste lugar de amorosidade, as técnicas, o conhecimento e as habilidades podem fluir sem esforço e integradas.

W. Brian Arthur, economista e pesquisador da teoria da complexidade, assim resume: “Você espera e deixa sua experiência se transformar em algo apropriado. Em certo sentido, não há tomada de decisão. O que fazer se torna óbvio. Você não pode se apressar. E então acrescenta: “Estou basicamente dizendo que o que conta é de onde você vem de dentro de si mesmo”[2].


HOFFMAN, David e WOLMAN, Richards. Mediation As a Spiritual Practice – Mediate.com, 2011.

[2] Trecho retirado do relato de Otto Scharmer in op. cit.


[1] SCHARMER, Otto, O Essencial da Teoria U: Princípios e Aplicações Fundamentais. Curitiba: Editora, 2020. E-book Kindle.

[2] BOWLING, Daniel. Mediator Presence: How to Bring Peace into the Room, 2014

[3] BOWLING, Daniel in op. cit

[4] SCHARMER, Otto, in op. cit.