Sobre o Conteúdo de Conversas que reduzem Conflitos
Em artigo do último 13 de junho, articulei as seguintes ideias a partir de reflexões sobre um dos livros de Thomas D’Ansembourg[1]:
1. Na comunicação para geração de confiança, emissão e recepção da mensagem devem estar em equilíbrio, sob pena de as pessoas se encaminharem para os extremos tirano ou vítima;
2. A maioria das conversas nas organizações não se situa nesses extremos, mas num nível subótimo, em que tanto emissão quanto recepção da mensagem estão aquém do seu potencial, na zona que o autor denomina “zona de desconfiança”;
3. Para atingir a “zona de confiança”, emissão e recepção da mensagem precisam ser desenvolvidas, cabendo aos líderes e, também, aos profissionais individualmente buscar ferramentas de aprimoramento;
4. A qualidade das organizações é diretamente proporcional à qualidade das conversas que acontecem nos seus corredores e salas de reuniões, remotas ou virtuais.
Aqui pretendo dar continuidade ao tema, abordando, em linhas básicas, o conteúdo da comunicação que gera confiança e reduz conflitos.
Uma boa comunicação para redução de conflitos, obviamente, envolve a qualidade da mensagem, da sua transmissão e da sua recepção e, em especial, a reciprocidade. Daí decorre que primeiro é preciso saber o que dizer, segundo, como dizer e, por fim, como ouvir. Parece óbvio, mas estes não são elementos necessariamente simples de serem identificados e praticados e a maioria das pessoas têm enormes dificuldades nestes aspectos.
No que se refere ao conteúdo da comunicação para redução de conflitos, é essencial que as pessoas ultrapassem a fronteira da argumentação racional e do julgamento sobre o outro e consigam expressar mutuamente suas emoções e necessidades reais a respeito do tema em discussão ou em conflito.
Tomemos um exemplo muito simples, mas bastante comum: colegas de trabalho discutem sobre de quem seria a responsabilidade por realizar determinada tarefa, cuja definição não está clara. Entram em uma espiral de argumentações desgastantes, sem qualquer possibilidade de um(a) convencer o(a) outro(a). A irritação cresce, não porque um(a) ou outro(a) se negue a realizar a tarefa, mas porque, no curso da discussão, emergiram alguns sentimentos fortes, até surpreendentes para as próprias pessoas em conflito. Por hipótese, raiva porque um(a) imagina que o(a) outro(a) quer dominá-lo(a), frustração porque o(a) outro(a) não percebe o quanto ele ou ela já está atarefado(a), angústia porque não sabe como vai dar conta de tantas entregas. As possibilidades de sentir são infinitas e inteiramente pessoais. São sentimentos alicerçados em legítimas e genuínas necessidades. Nesse caso do exemplo, poderia ser necessidade de autonomia, de compreensão, de previsibilidade e organização, de controle sobre o próprio tempo etc.
Em suma, uma supostamente “simples conversa” acerca de divisão de tarefas pode acionar gatilhos emocionais diversos. Como consequência, se a conversa permanece na camada superficial da mera argumentação sobre quem tem razão, ou, ainda, se as pessoas vão buscar subsídios externos, tais como recorrer aos superiores hierárquicos, o desconforto emocional não se dissolve, o sentimento de frustração permanece e conflitos similares tendem a se repetir.
Neste exemplo corriqueiro, não é incomum que, quando um(a) atinge o ponto de ouvir o(a) outro(a) com abertura, se depare com sentimentos idênticos aos seus: raiva, frustração, angústia, bem como as mesmíssimas necessidades: autonomia, compreensão, controle sobre o tempo etc.
A partir do ponto que um(a) consegue ouvir verdadeiramente necessidades e sentimentos do(a) outro(a), é possível abrir uma nova chave de diálogo, que ignora quem tem razão. A pauta é redirecionada para as formas de resolver as necessidades não atendidas: Como podemos fazer para termos clareza sobre nossas atividades? A distribuição atual permite uma boa organização do tempo? Há retrabalhos que podem ser eliminados para liberar tempo produtivo? Podemos pensar em rotatividade de algumas tarefas? Os processos estão adequados? É possível realizar algumas delegações ou simplificações de processos? Vejam que há uma alteração radical na lógica da conversa, na contramão do raciocínio binário (a tarefa é minha ou sua?), geralmente insatisfatório. Trata-se de uma conversa de expansão de possibilidades. Os(as) envolvidos(as) passam a um modo de cocriação saudável.
Não estamos acostumados a nos expressar a partir de sentimentos e necessidades como na abordagem proposta. Não fomos ensinados a articular as nossas emoções de uma forma verdadeira, consciente e autorresponsável. Na maioria das vezes, especialmente em ambientes corporativos, fazemos exatamente o contrário: tentamos escondê-las ou controlá-las. Às vezes explodimos (e outras vezes implodimos). Conflitos escalam e se tornam insustentáveis porque as pessoas efetivamente estão sob pressão, a vida não é fácil, somos seres humanos, sujeitos (ainda bem) a emoções.
Embora cause estranheza à primeira vista, tudo isso é perfeitamente factível de se aprender. A partir da prática, os grupos começam a se entender melhor, passam a se comunicar de maneira mais transparente. Equipes que aprendem a utilizar esse tipo de comunicação, especialmente em situações de potencial conflito, desenvolvem maior confiança, senso de coletividade e pertencimento, ampliam sua capacidade de solucionar problemas em conjunto e, em decorrência, potencializam a qualidade das suas entregas. Interessante, é que, com o tempo e alguma disciplina, o padrão de comunicação efetivamente se altera, tornando-se natural.
Nas instituições, em geral, costuma haver pouco espaço para este tipo de aprendizado, mas já há muitos sinais de mudança no ar. Cada vez mais workshops, treinamentos, exercícios, programas de desenvolvimento e mentorias são destinados a desenvolver habilidades de comunicação. Creio que esse novo olhar está à serviço de preencher uma profunda demanda do nosso tempo: a reconexão do ser humano consigo mesmo e com o outro, na necessária tentativa de alterar o modelo mental prevalente, de competitivo para colaborativo.
[1] ANSEMBOURG, Thomas d’. Deixe de ser bonzinho e seja verdadeiro; Rio de Janeiro: Sextante, 2013. pg. 104 a 111