Paulo Freire dizia que “Quando a educação não é libertadora , o sonho do oprimido é ser opressor“. E o que isto tem a ver com Mediação de Conflitos Organizacionais? Mediadores e mediadoras têm o dever de praticar a imparcialidade (multi-parcialidade para alguns, neutralidade para outros). Mas e quando o(a) mediador(a) se vê diante de uma relação de desequilíbrio de poder ou de abuso ou violência psicológica? É difícil para qualquer pessoa abstrair de seus valores e crenças, e o mediador ou mediadora não é diferente. É aí que a frase de Paulo Freire vem em auxílio. De que forma ?
Conseguir enxergar todas as pessoas em conflito como seres humanos que vivenciam ou vivenciaram dor real, latente e invisível (provavelmente opressão similar a que ele(a)s próprio(a)s reproduz(em)) é o que permite ao mediador ou mediadora estabelecer a ponte para a possível reparação e pacificação.
Agressividade, exercício abusivo de poder ou abuso psicológico podem ser apenas uma das tantas formas de esconder ou de gritar a própria fragilidade, dor ou falta; são, antes de mais nada, indícios de sofrimento. Marshall Rosenberg foi lapidar quando apontou que “toda violência é a expressão trágica de necessidades necessidade não atendidas”. A verdade é que não sabemos nada sobre o outro, suas perdas e seus abandonos, suas estórias de desamor, humilhações, separações, o que testemunhou pela vida.
Sem contar que seres humanos, na sua complexidade, exercem múltiplos papéis em suas relações: podem ser opressores aqui e oprimidos ali; tiranos aqui e vítimas ali. Afinal, o oprimido, no mais das vezes inconscientemente, tentará encontrar seu lugar de “poder” (“sempre que a educação não é libertadora”, não foi como começamos?). Todo mundo no mundo é luz e sombra.
Evitar estabelecer contato com a realidade emocional do outro, especialmente do outro que se coloca como tirano, diz mais sobre nós do que sobre outro, sobre nossa própria intolerância, sobre nossa própria dificuldade de lidar com a complexidade humana. Ouvir e ser empático(a) com quem gostamos ou concordamos já não é nada fácil; aprender a exercer a empatia e o não-julgamento em relação a quem perturba nosso sentido moral e ético é trabalho para toda a vida.
Ouvir com genuína curiosidade e acolhimento não é o mesmo que dar razão ao(à) agressor(a), tampouco de justificá-lo(a), muito menos afastar eventuais punições (punir não é, evidentemente, o papel de mediadores(as)).
Processos de reparação e/ou conclusão de acordos sustentáveis, via de regra, só são possíveis quando são oferecidas a todos os litigantes minimamente o que lhes faltou ou falta e, no caso do agressor/tirano, em geral significa ouvir e acolher suas dores, da mesma forma como o fazemos com a vítima.
A meu ver, é no ultrapassar desse obstáculo interno tão natural e compreensível que reside a possibilidade de (re)construção da paz social.